23 setembro 2005

Em busca dos direitos

Em Juiz de Fora Consumidor com deficiência movimenta R$ 26,4 mi/mês

O mercado ainda não direcionou o olhar para uma fatia crescente de consumidores, que concentra mais de 44 mil pessoas em Juiz de Fora e movimenta cerca de R$ 26,4 milhões por mês: a pessoa com deficiência. Embora esta população esteja aumentando sua participação no mercado de trabalho, até por força legal, ainda encontra barreiras para fazer valer seu direito de consumidor, diante da falta de acessibilidade. Os empresários ainda não fizeram as contas do prejuízo, mas ele existe e poderia ser revertido, caso as ações isoladas fossem transformadas em uma política inclusiva.
Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,5% da população, o equivalente a 72,6 mil pessoas em Juiz de Fora, possuem deficiência. Deste total, 61,5%, ou 44,6 mil juizforanos, são considerados aptos e estão no mercado de trabalho, de acordo com estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No estudo “Diversidade: Retratos da Deficiência no Brasil”, a entidade ainda calcula que o rendimento médio mensal desta população chega a R$ 600. O levantamento, desenvolvido em parceria com a Fundação Banco do Brasil, é de 2003.

As dificuldades enfrentadas pelo consumidor com deficiência começam pela própria moeda de troca: o real. A advogada Cláudia Maria Lazzarini, que é cega, abre a carteira e mostra as cédulas com dobraduras diferentes. Essa foi a maneira encontrada por ela para conseguir diferenciá-las. Com o artifício criado, Cláudia consegue pagar pelos produtos. O problema está em conferir o troco. “As cédulas precisam ter inscrição em braile”, reivindica. Embora as moedas mais recentes tenham tamanhos e espessuras distintas, a diferença é considerada quase imperceptível. Com isso, o uso do dinheiro fica vinculado à ajuda de uma segunda pessoa.

O sistema da escrita em relevo não faz falta apenas na moeda. A advogada destaca a necessidade de adaptar as listas telefônicas, além das embalagens de produtos e remédios. Segundo ela, nas gôndolas dos supermercados (que também não possuem informações diferenciadas para esta população) são raros os itens que podem ser identificados por deficientes visuais. No caso dos medicamentos, a saída tem sido mudar a forma de lacre, para evitar a ingestão equivocada. As dificuldades enfrentadas por Cláudia para fazer movimentações bancárias, que vão desde a impossibilidade de ler um contrato até usar um caixa de auto-atendimento, são objeto de monografia de sua autoria. Para ela, seriam necessários adaptar os contratos em braile, além de oferecer sintetizador de voz nos equipamentos. “Agindo desta forma, o mercado alija o consumidor deficiente de usufruir sua autonomia.” No cenário excludente, há exceções. A advogada descobriu cosméticos e gêneros alimentícios voltados para esta população, dos quais se tornou consumidora assídua.
Perdendo clientes
“O mercado não se abriu para o portador de deficiência. Parece que não temos condições de ser consumidores”, avalia Wesley Barbosa, advogado do Procon. Wesley comenta que a habilidade adquirida ao longo dos anos o ajuda a manusear produtos, como celulares, que não são usados por pessoas com limitação nos membros superiores, como ele. Outras dificuldades são o empacotamento nos supermercados e o uso de telefones públicos. “Da forma atual, não há como colocar ou retirar o cartão”, explica. O advogado comenta que a falta de sanitários adaptados em bares, restaurantes e shoppings restringe o tempo de permanência nesses lugares e, por conseqüência, o consumo. Na sua avaliação, indústria e comércio estão perdendo clientes, na medida em que não se preocupam em criar produtos e serviços acessíveis. Isso porque, embora eles consumam, por vezes contando com a ajuda de terceiros, o atendimento diferenciado pode significar alta nas vendas. “Temos renda, queremos consumir. Se os produtos fossem mais acessíveis, consumiríamos ainda mais.”

Barreiras resultam em gastos menores
Para a chefe do Departamento de Promoção da Pessoa Portadora de Deficiência (Depd), Thais Altomar, falta conscientização do empresariado. Com o objetivo de reverter esse quadro, os estabelecimentos que apresentam barreiras a estes consumidores tem sido visitados, para receber orientações sobre as adequações necessárias para garantir a acessibilidade. Segundo ela, a recomendação costuma ser bem-vinda, mas dificilmente é colocada em prática. Thais comenta que os problemas mais comuns são ausência de vestuários adaptados e rampas de entrada, para facilitar o acesso de pessoas que utilizam cadeira de rodas, por exemplo. “É uma fatia do mercado que gasta. E gasta muito,” avalia. Segundo a presidente do Conselho Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência, Tânia Franklin Pedroso de Azevedo, uma das bandeiras a serem levantadas especialmente no dia 21 de setembro, o Dia Municipal de Luta da Pessoa com Deficiência, é a acessibilidade, inclusive no que se refere ao consumo. Tânia diz que as reclamações são constantes. Para ela, a falta de estruturação das lojas e a dificuldade de acesso a serviços e produtos refletem a ausência de organização do espaço urbano. Na avaliação de Tânia, embora os portadores de deficiência tenham direitos garantidos em lei, eles continuam sendo descumpridos. O respaldo legal existe, mas ainda há lacuna no seu cumprimento.“Existem ações de acessibilidade, mas não são suficientes. É necessária uma política pública.” Essa e outras questões serão abordadas na conferência municipal, que acontece entre os dias 28 e 30 deste mês.

Cotas para empresa favorecem renda
O chefe do setor de Relações do Trabalho, José Tadeu Lima, do Ministério do Trabalho de Juiz de Fora, comenta que a Lei 8213/91, que estipula cotas de participação dos portadores de deficiência nas empresas com mais de cem trabalhadores, veio a contribuir para aumentar a representação dessa mão-de-obra no mercado de trabalho. Segundo ele, o empresariado tem se mostrado sensível à causa, abrindo as portas para estes trabalhadores, seja por consciência da importância da responsabilidade social ou como forma de se adequar a uma exigência legal.

O consultor econômico da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio), Márcio Lana, considera o consumidor com deficiência um segmento interessante e importante para o setor, assim como os da terceira idade e dos jovens, e que precisa ser lembrado. No entanto, reconhece, ao contrário dos demais, para os quais já existem lojas segmentadas, ainda faltam ações direcionadas para esta clientela. Para o diretor do Sindicato do Comércio Varejista de Juiz de Fora (Sindicomércio), Oddone Turolla, o principal motivo seria a falta de cultura inclusiva, que limita as ações visando a tornar os estabelecimentos mais acessíveis. Oddone defende que, com o aumento visível da participação dessa população no mercado de trabalho, a tendência é que o empresariado volte o olhar para este público. “É um segmento substancial, que merece respeito”, defende.

BC pretende criar cédulas diferenciadas
Em entrevista à Tribuna, o chefe do Departamento de Meio Circulante do Banco Central (BC), José dos Santos Barbosa, descarta a possibilidade de colocar inscrição em braile nas notas, mas anuncia o projeto de criar uma nova família de cédulas, com formatos diferenciados, a partir de 2006. Segundo ele, essa seria uma forma de beneficiar o cego, já que as medidas adotadas, até agora, como a marca tátil (barra em diagonal localizada no canto esquerdo) nas notas de R$ 1, R$ 2 e R$ 20 inserida em 2001, servem apenas para o portador de algum tipo de comprometimento visual. Outra idéia, importada da Austrália, é disponibilizar um artefato de plástico, em que, ao inserir a nota, é possível fazer a leitura do valor em braile. Nesse caso, não há data prevista para implementação. Com relação às moedas, Barbosa comenta que, na época de criação da nova família em 1998, o uso de tamanhos e espessuras diferenciados teve por objetivo facilitar a identificação tátil. “É difícil, porque o mundo ainda não inventou uma forma de facilitar a vida do deficiente, mas estamos fazendo esforços para atendê-los,” alega.

(Jornal “Tribuna de Minas”, de 04 de setembro de 2005)

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