31 março 2006

Tempos que não voltam mais

Quem nunca ouviu falar na lendária cantina da Faculdade de Comunicação (Facom) da UFJF, com suas festas e eventos culturais? Na década de 90, as Sextas Culturais e as Zonas Literárias, promovidas por alunos, funcionários e professores, transformaram o espaço de convivência da Facom em um verdadeiro point do campus, com manifestações artísticas diversas, criando oportunidades de os alunos mostrarem seus talentos e atraindo a comunidade não-acadêmica também. Desativada no último dia 17, a área de convivência vai dar lugar à construção de três novas salas. As obras já foram iniciadas e, segundo a coordenação de Imagem Institucional, o projeto é considerado prioritário pela reitora Margarida Salomão.

“O espaço era ponto de encontro de alunos de vários períodos e também de outros cursos, possibilitando uma troca de experiência e um aprendizado, às vezes, mais importante que as aulas”, lembra a professora aposentada Leila Barbosa. A construção de salas no local partiu de uma solicitação da direção da faculdade. De acordo com a diretora, Marise Pimentel Mendes, a necessidade de mais salas tornou-se ainda mais urgente com a consolidação do curso noturno, a abertura de novos cursos de especialização e a expectativa de implantação do mestrado.

Em contato com a direção das unidades vizinhas ao prédio da comunicação, a intenção de Marise é pleitear um novo espaço de convivência - mais amplo e com restaurante apropriado -, que integre todo o setor de Estudos Sociais. Mas, enquanto os planos não saírem do papel, o fato é que os alunos ficarão sem este ponto de encontro, que um dia teve um papel complementar para a formação acadêmica de alunos que presenciaram o auge de toda a integração cultural e tornaram-se jornalistas, publicitários, músicos, cineastas e etc.

Espaço de convivência e cultura Tudo começou quando uma turma de alunos decidiu criar um evento para movimentar o local, ainda semi-habitado. Um deles, Nivaldo Alvarenga, hoje sócio-diretor de uma agência de propaganda, conta que a idéia original das Sextas Culturais era fazer um evento que integrasse os alunos e movimentasse o espaço, atraindo para o prédio acadêmicos de outros cursos e pessoas de fora da universidade. Uma equipe de estudantes partia em busca de patrocínio junto à iniciativa privada e outra ficava por conta da programação. O sucesso transformou a iniciativa em projeto de extensão, que passou a receber recursos da UFJF e orientação de professores.

O evento começava à tarde, por volta da 15h, com a exibição de clássicos do cinema no telão do anfiteatro. Depois do filme, o programa contava com atividades diversas a cada semana, como exposições de pinturas, fotos, desenhos, lançamentos de livros, fanzines, desfiles de moda alternativa e apresentações de capoeira. Lá pelas 20h, começava o show, sempre com bandas locais, muitas vezes formadas por alunos. “Tínhamos um público muito bom e chegou um momento em que as pessoas nos procuravam para fazer parte do evento, porque era um espaço aberto e com muita visibilidade”, lembra com orgulho o publicitário.

Bandas conhecidas até hoje no circuito cultural da cidade, como Eminência Parda e Boa Pergunta, se formaram no contexto das Sextas Culturais. Artistas da cidade tiveram suas primeiras criações exibidas nos eventos, como é o caso dos cineastas Rogério Terra, Marcos Pimentel, Léo Ribeiro, Franco Gróia, Alexei Divino. Até a cantora Ana Carolina, hoje conhecida nacionalmente, já se apresentou em uma Sexta Cultural. “Grande parte do que aprendi na UFJF foi neste intercâmbio multicultural que acontecia na cantina da Facom”, declara o ex-aluno Léo Teixeira, integrante da banda Boa Pergunta.

No entanto, com o passar dos anos, o projeto acabou se distanciando da idéia original. “Antes, o entretenimento e a cervejada eram apenas conseqüências e vinham no final da festa”, conta Léo. “Quando a minha turma se formou, o Diretório Acadêmico decidiu que, a cada semana, a organização do evento ficaria por conta de uma turma, e a renda arrecadada com a venda de bebidas durante o show seria destinada aos fundos de formatura. Então, a coisa perdeu um pouco o caráter cultural pelo comercial”, lamenta Nivaldo.

Formação cultural fora de sala A professora Leila Barbosa considera a falta de uma área de convivência como uma falha da educação. “O espaço era carregado de sua cultura, e ali os estudantes tinham idéias.” O cineasta Rogério Terra também ressalta que, por ser um curso da área de Humanas, há necessidade de um ambiente para celebrações, bate-papo informal e manifestações culturais. Para o jornalista Fabiano Moreira, também formado pela Facom, o espaço era tido como um lugar de pessoas antenadas. “Só quem viveu o que rolava ali sabe o quanto vai fazer falta para a universidade.” Em eventos como as Sextas Culturais e as Zonas Literárias, ele costumava lançar o fanzine Bate Macumba, com uma mescla de trabalhos de alunos, professores e artistas.

As Zonas Literárias aconteciam a cada semestre durante os anos de 1995, 96 e 97. O projeto foi idealizado pelas professoras de Redação em Língua Portuguesa, Leila Barbosa e Marisa Timponi que, fascinadas com a criatividade dos alunos expressa em trabalhos e seminários, decidiram expandir o universo das salas de aula para um espaço público. Os eventos reuniam poetas, escritores, músicos, estudantes, funcionários e professores com o objetivo de estimular a produção literária.

(Matéria publicada no Jornal Tribuna de Minas, dia 29 de março de 2006.)

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